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sábado, 21 de agosto de 2010

O contexto histórico da atuação sindical e a convergência midiática

A máxima proclamada por Karl Marx e Friedrich Engels no Manifesto do Partido Comunista, em 1948, na qual convocavam os trabalhadores de todo o mundo para que aproximassem suas lutas e enfrentassem os donos do capital, acabou sendo ironicamente apropriada pelos barões da mídia. Ao invés do proletariado de todo mundo unir-se, quem se fortaleceu e, de certa forma, unificou-se incentivando o avanço das novas tecnologias, foram as grandes empresas ligadas ao ramo das comunicações.

Neste cenário, cada vez mais absorto em fetichismos tecnológicos e disputas de audiência, volta-se o olhar para a atuação sindical e o papel estratégico que estas organizações têm ao desafiar o poder estabelecido, agindo, principalmente, no âmbito comunicacional. Tarefa nada fácil, ainda mais se levando em conta que a existência do sindicalismo no Brasil é fortemente marcada pelo controle estatal.

Em 1930, o então presidente Getúlio Vargas toma uma série de medidas para atrelar as organizações sindicais ao Estado. Paralelo a criação do Ministério do Trabalho, da Indústria e do Comércio passa a vigorar o Decreto-Lei n° 19.770, com o objetivo de regular a sindicalização das classes patronais e operárias, controlando a criação e a atuação destas entidades. Ainda neste Governo cria-se a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) a qual, ao aglutinar toda legislação trabalhista, passa a regulamentar as relações que se estabelecem entre patrões e empregados, restringindo a livre associação sindical. Este entulho autoritário do Estado Novo só é rechaçado com a Constituição Federal de 1988, que determina em seu artigo 37, inciso VI ser “garantido ao servidor público civil o direito à livre associação sindical”.

Antes disso, durante a ditadura de 1964, as organizações sindicais protagonizaram um importante movimento de contestação ao Governo Militar. As entidades classistas foram responsáveis por unir as principais lideranças políticas do país que eram contrárias ao regime e passaram a exigir a retomada da democracia e a participação popular nas decisões governamentais. Não obstante, esta postura combativa foi perdendo força ao longo dos anos, atingido seu ápice com a chegada de Luís Inácio Lula da Silva ao poder. A perplexidade e insatisfação de parte da sociedade brasileira frente à política neoliberal adotada pelo atual Governo não foi suficiente para motivar a principal central sindical do país a pressionar o ex-líder sindical por uma mudança de atitude. Situação que acaba se refletindo na falta de identificação de grande parte da classe trabalhadora com o movimento sindical nos dias de hoje.

Diferente das diversas publicações classistas que circularam no Brasil e foram responsáveis pela propaganda operária até o golpe militar, as atuais experiências de mídia, oriundas das organizações sindicais, mesmo estando inseridas dentro do espectro da convergência midiática, continuam deixando a desejar tanto no formato quanto no conteúdo de suas produções. A imprensa sindical que chegou a ter oito jornais diários circulando no Brasil, na década de 1940, conquistou o respeito da classe trabalhadora por que buscava aproximar-se da sua realidade. No entanto, ao seguir cegamente a linha ditada pelo Estado Soviético, a imprensa daquela época sucumbiu, pois, com o passar do tempo, nada mais dizia sobre a realidade local.

Muito mais atentos aos avanços das tecnologias de comunicação, os principais grupos econômicos multinacionais, atuando por meio dos grandes conglomerados de mídia, se beneficiaram da falta de interferência do Estado na regulação da atividade econômica e da pouca pressão exercida pelas organizações sindicais visando o controle dos grupos privados. Assim, as empresas voltadas ao setor de comunicação acabaram diversificando a oferta de produtos sem maiores restrições. A convergência permite, por exemplo, que em um mesmo pacote possam ser incluídos serviços de telefonia fixa, móvel, internet e TV a cabo. Ao ter acesso às novas tecnologias e utilizar os serviços disponíveis o trabalhador sente-se contemplado e inserido neste novo bios midiático, embora não diversifique o consumo de conteúdos.

É neste espaço que devem atuar as organizações sindicais, pois, com a convergência midiática, a classe trabalhadora passa a configurar-se também como produtora de conteúdo, deixando de ser mera consumidora de informação. Os grandes conglomerados de comunicação cada vez mais oferecem recursos midiáticos criando a ilusão de que os trabalhadores estão inseridos no universo produtivo, porque permitem que eles disponibilizem conteúdos na internet, mesmo que sejam todos muito semelhantes e, em geral, acríticos. Às organizações sindicais cabe o papel de aproximar-se dos trabalhadores, fornecendo em seus canais de comunicação espaços de verdadeira atuação política, os quais devem permitir a crítica ao Governo e, assim, renovar também o próprio movimento sindical.

Texto originalmente publicado na Revista do Instituto Humanitas da Unisinos 338, ano X, de 9 de agosto de 2010.
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domingo, 15 de agosto de 2010

Da estética do medo ao medo da estética

É cada vez mais comum a espetacularização do processo eleitoral por parte das grandes emissoras de TV no Brasil. Sob os holofotes da mídia, a arte de fazer política manifesta-se ideologicamente e perdura, de modo a adaptar-se historicamente ao contexto sócio-cultural de cada região.

Aliados a esse movimento, os responsáveis por planejar e operacionalizar as ações de marketing político elaboram estratégias que diferenciem seu candidato dos demais, dando-lhes, muitas vezes, uma credibilidade de ordem meramente performática. O estrategista de marketing substitui as instâncias partidárias.

Diante disso, a imagem do político contemporâneo tende a sobressair menos pelas propostas e pelo programa de governo e mais por sua relação com elementos midiáticos e demandas detectadas por pesquisas de mercado. Sua capacidade de apresentar uma proposta alinhada com o ideal de sociedade de uma determinada fração social é preterida, gerando a pasteurização de candidatos e partidos políticos. O público, por sua vez, não é visto como mero espectador, mas sim, como um eleitor participante, ou seja, alguém acostumado ao fascínio das produções audiovisuais, porém incapaz de assimilar seus códigos de maneira crítica, convertendo em voto a baixa interação com o candidato midiatizado.

A tática do PSDB

Ao fazer um breve exercício de reflexão das práticas eleitorais, especialmente nas últimas três décadas, percebe-se a presença da arte cênica em maior ou menor escala. Esta atuação artística não se resume à interpretação do próprio candidato, mas, sobretudo, à possibilidade de poder contracenar com atores de renome ou personalidades em evidência nos principais canais de televisão. Na medida em que artistas conhecidos se filiam a determinados projetos políticos, em geral com a mesma motivação com que fecham contrato para anunciar outros produtos, conforma-se uma manobra eleitoral, nociva à democracia.

Um caso que acabou tornando-se emblemático nesse tipo de relação ocorreu nas eleições presidenciais de 2002. Na época, a atriz Regina Duarte declarou que sentia medo do que poderia acontecer caso o então candidato Luiz Inácio Lula da Silva saísse vitorioso no pleito presidencial. A fala da atriz foi transmitida durante o horário eleitoral gratuito, em defesa da candidatura do ex-governador de São Paulo José Serra, derrotado naquela ocasião e, hoje, novamente candidato à Presidência da República, sempre pelo PSDB.

É importante dizer que, mesmo com a derrota tucana nas urnas, o medo de Regina Duarte não chegou a se confirmar. O governo do presidente Lula manteve a política econômica de seu predecessor, Fernando Henrique Cardoso (PSDB), promovendo reformas de inspiração neoliberal e nomeando economistas filiados a esta corrente de pensamento para assumirem cargos estratégicos em sua gestão. De qualquer forma, a tática utilizada pelo PSDB, vinculando a imagem de Serra a uma atriz global, historicamente conhecida como namoradinha do Brasil, não foi totalmente fracassada.

Oposição artístico-política

O medo expressado pela atriz representava a desconfiança do mercado financeiro com o ex-líder sindical. Isso repercutiu dentro da própria candidatura Lula, pois o candidato petista apressou-se em deixar claro que priorizaria o crescimento econômico, mantendo a inflação baixa, os juros altos, a oscilação cambial brusca e o aumento da dívida pública. Foi sob estes termos que Luiz Inácio Lula da Silva assinou a Carta Aberta ao Povo Brasileiro, em 2002. O alerta deu certo e guinadas fora da cartilha econômica neoliberal foram descartadas.

O fato é que, enfaticamente no Brasil, a teledramaturgia, o cinema e a música são capazes de fabricar legítimos representantes dos anseios populares, os quais são aceitos pelo público com muito mais naturalidade do que os construtos políticos poderiam fazer. Essa dinâmica é responsável por um novo fenômeno, no qual músicos, apresentadores e artistas têm ascendido a cargos públicos eleitorais com enorme facilidade, rebaixando o discurso político e desqualificando o processo democrático.

Para piorar esse quadro, percebe-se que a militância social, quando transformada em produto midiático, costuma traduzir-se em oportunismo. No ano de 2007, por exemplo, surgiu no Brasil o Movimento Cívico pelo Direito dos Brasileiros. Conhecido popularmente como Cansei,foi organizado porartistas e empresários, visando à desestabilização do governo federal. Usando como pretexto um acidente aéreo, que vitimou dezenas de pessoas, forjou-se uma espécie de oposição artístico-política, amparada na imagem de seus protagonistas. Novamente a namoradinha entrou em cena, para, lado a lado com a cantora Ivete Sangalo e a apresentadora de TV Hebe Camargo, transformar-se em ícone de tal malogro.

Atrair, e não assustar

Existe, portanto, uma clara intenção de caráter político-partidário em produzir efeitos de reconhecimento e pertença no público por parte dos agentes que estabelecem campanhas, direta ou indiretamente eleitorais, em que a presença das celebridades televisivas é o principal foco daquilo que constitui a disputa política, embora não necessariamente se apresente como tal. A empatia dos eleitores com seus ídolos permite a identificação – ideológica, mesmo que mascarada – com uma corrente de pensamento, tencionando e influenciando as decisões do eleitorado.

Não obstante, este ano, as estratégias de marquetização do PSDB apontam para uma mudança de paradigma. Ao exibir como mestre de cerimônias da pré-candidatura de José Serra a modelo e apresentadora televisiva Ana Hickman, o partido parece ter aprendido que assustar pode ser menos vantajoso do que atrair o eleitor. Sendo assim, tudo indica que o discurso receoso de Regina Duarte, característico nas campanhas anteriores, tornou-se obliterado. Do mesmo modo, apostar na simpatia do ex-governador de São Paulo seria, tampouco, prudente, já que neste quesito o presidente Lula é imbatível e sua popularidade está canalizada para a campanha de Dilma Rousseff, ainda que ela e Serra compartilhem a dificuldade de se aproximarem das formas de ser e estar do brasileiro médio.

Texto originalmente publicado no site Observatório da Imprensa, em 18/5/2010.

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