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terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Por que os supostos críticos não vão às vias de fato?

Entra ano, sai ano, mas a sensação é de que pouca coisa muda; sobretudo, em se tratando das tímidas críticas endereçadas aos principais grupos de comunicação brasileiros. Para piorar, em geral, os discursos contrários à chamada "grande mídia", tornam-se ainda mais perigosos que a manipulação comercial, tamanha a indignação elitista e preconceituosa que, por vezes, costumam evocar. Em 2011 não tem sido diferente. Todos os brasileiros conhecem a "novidade" pré-fabricada anualmente pela indústria cultural através da Rede Globo: em janeiro, o tal Big Brother Brasil (BBB), entra no ar, mais uma vez, em busca da audiência. Trata-se da principal mercadoria simbólica produzida nesse início de temporada pelo maior conglomerado de comunicação da América Latina, a Rede Globo. No entanto, para não correr o risco de perder a atenção do público, quando a emissora da família Marinho não está transmitindo o reality show, trata de encharcar os noticiários com atualizações frenéticas sobre a contabilidade das mortes ocasionadas "pelas chuvas" em estados como Rio de Janeiro, São Paulo e Santa Catarina.

Para os déspotas da comunicação dominante, trata-se de uma ótima estratégia visando a manutenção de um público cativo, ou melhor, do lucro, pois está se combinando futilidade, preconceito, sofrimento e oposição ao governo de turno, tudo em uma só receita. Não que o governo não mereça críticas e deva ser isento da sua responsabilidade administrativa, muito pelo contrário. Contudo, a forma como as análises estão sendo feitas beira a falta de imaginação. Em contrapartida, recentemente o blogueiro Luis Nassif publicou uma matéria no seu portal denunciando que a verba destinada à prevenção das tragédias no Rio de Janeiro teria sido negociada entre o governador do estado, Sérgio Cabral, e as Organizações Globo, a qual teria recebido R$ 24 milhões através da Fundação Roberto Marinho, supostamente desviados do Fundo Estadual de Conservação do Meio Ambiente (FECAM), em outubro de 2010.

Parece que o conceito de "indústria criativa", arduamente defendido pelo governo britânico, no final da década de 1990, como forma de superar a crítica dos teóricos de Frankfurt, mostra-se falho justamente quando entra em jogo a materialidade das produções simbólicas em países como o Brasil. Como era de se esperar, a cara de pau pode ter reinado na indignação de âncoras, repórteres e comentaristas da emissora global ao tratar do tema das enchentes. Sabe-se que estas mortes estão atreladas muito mais à falta de planejamento e políticas públicas, visando o remanejo das famílias residentes em locais de risco, do que, propriamente, aos índices pluviométricos, no entanto, não bastasse a má qualidade da informação transmitida, claramente ideologizada em favor dos pressupostos político-militares que alavancaram as Organizações Globo à liderança no mercado televisivo nacional, aparecem, todos os dias, outras análises, as quais advém de um suposto pensamento de esquerda, que, na prática, se revela defensor da "alta cultura", "da moral" e "dos bons costumes".

A baixa qualidade da produção televisiva nos canais brasileiros não é bem uma novidade. Portanto, chega a ser irritante a quantidade de e-mails falando sobre o assunto e pedindo para que todos exaltem "os verdadeiros heróis da nação em detrimento de personagens criados pela mídia hegemônica através dos reality shows, os quais são idolatrados nas lentes do televisor". Tais críticos, vão ainda mais longe, pedem para que os telespectadores, ou seja, os trabalhadores, chamados indistintamente de alienados quando os convêm, "libertem-se deste mal e desliguem a televisão"! Esse discurso maniqueísta e demasiadamente pedante não contribuí em nada para o verdadeiro debate a ser feito. As produções simbólicas da mídia comercial são elaboradas para vender e, se for realizado um juízo de valor, pode-se dizer realmente que programas como esses são desprezíveis, mas e daí? Será que alguém acredita ser possível boicotar a Rede Globo promovendo a queda de sua audiência via proliferação de e-mails ou através de campanhas pseudo-politizadas em redes sociais? Além de soar como um culto pós-moderno ao hipotético potencial revolucionário da internet, diga-se de passagem altamente questionável, tal medida parece desviar o verdadeiro foco da questão.

Afinal, por que o Governo Lula não quis entrar, de fato, no debate do controle social da mídia e desafiar a Rede Globo durante os últimos oito anos? Por que não investiu na comunicação pública e, pior do que isso, colocou nos cargos diretivos da EBC ex-funcionários da Rede Globo como Tereza Cruvinel e Helena Chagas, sem nenhum passado na radiodifusão pública ou comunitária? Por que nomeou apadrinhados políticos da emissora para o Ministério das Comunicações, entregando a pasta para o PDT e o PMDB, entre eles o ex-repórter da Globo e ex-correspondente do Voice of América, Hélio Costa? Por que a Conferência Nacional de Comunicação levou sete anos para ser convocada?

Por fim, por que o atual governo vem dando ares de que a discussão sobre a regulamentação das comunicações no país passa, primeiramente, pelas novas mídias digitais e a internet, quando se sabe que a tecnologia apenas aprofunda o cenário de concentração dos meios de comunicação - existente hoje, em grande escala, na radiodifusão - para um ambiente virtual, onde, mais uma vez, o que está em jogo não é a emancipação digital, mas, tão somente, a inclusão?

Enquanto a lógica liberal reinar nos espaços de gestão da mídia brasileira muito pouco se poderá avançar para a verdadeira democratização da comunicação no Brasil. Promover o acesso à informação, vide o plano de banda larga do governo federal, não rompe com a dependência tecnológica e, muito menos, prepara as populações em vulnerabilidade social para enfrentar a manipulação dos grandes conglomerados de mídia. Em outras palavras, o que pressupõe mudanças significativas na relação da audiência com os novos instrumentos de comunicação é a escolha entre fazer download (baixar arquivos) ou upload (subir arquivos) e não apenas a possibilidade de acessar as informações sobre a previsão do tempo.

domingo, 9 de janeiro de 2011

Fabricando heróis e bandidos na sociedade da informação

Passado o réveillon, ou, como diriam os franceses, réveiller – termo utilizado para avisar a chegada de um novo ano, deixando para trás as intempéries do anterior –, ficam os famosos "balanços". Para não fugir à regra, no mesmo período as revistas de circulação mundial, como a norte-americana Time, elegem as chamadas "personalidades do ano". Na carona desta avaliação "inequívoca", grupos de comunicação de todo o mundo, afinados com a linha editorial de uma das principais publicações estadunidenses, reproduzem a novidade e contribuem para fazer emergir um discurso único sobre quem são as mais destacadas celebridades do planeta.

Prova disso é a postura adotada pelas grandes redes de televisão do Brasil, cujas ligações, em termos de compromissos, responsabilidades e interesses, são bem conhecidas, como atestam a história e, no cotidiano, os televisores espalhados por todo o país. Tão logo a Time divulgou a escolha de Mark Zuckerberg, percursor do rentável Facebook, como "personalidade do ano", os noticiários das emissoras brasileiras já trataram de multiplicar a informação. Assim, um aspecto importante do fato não foi evidenciado, já que o voto dos internautas teve outro veredicto, consagrando o criador do site WikiLeaks, Julian Assange, como o grande nome de 2010.

A escolha por Zuckerberg é fruto de um posicionamento mercadológico, condizente com a dialética da sociedade da informação. Amparados nas premissas da burguesia liberal francesa de 1789, que exaltava os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade, os apologistas tecnológicos da grande mídia de hoje enxergam nas redes sociais espaços de materialidade do progresso tecnológico, esquecendo-se de citar os conflitos inerentes a esse processo. Demonstrando a incoerência da sua linha editorial, supostamente baseada em um jornalismo "democrático e interativo", a Time concedeu a Assange o título de "pessoa (não grata) do ano". Na web, em sentido contrário, os leitores do semanário depositaram mais de 380 mil votos para o fundador do site de denúncias WikiLeaks, elegendo-o como o nome de maior destaque neste primeiro decênio do século 21.

Comércio lucrativo das mídias digitais

Mark Zuckerberg é norte-americano, tem 26 anos, graduou-se em programação de computadores em Harvard e tem uma carreira promissora pela frente. Ficou conhecido por fundar a maior rede social do mundo, com 500 milhões de usuários. No entanto, carrega nas costas o peso de pelo menos duas ações judiciais que colocam em xeque todo o brilhantismo a ele concedido nestes seis anos de existência do Facebook. O australiano Julian Assange tem 39 anos e é um aficionado por programação de computadores desde criança. Estudou matemática e física, passando por diversas escolas e universidades do seu país de origem, mas em sua formação prevalece uma cultura autodidata.

Assange atende pela alcunha de hacker, termo ainda pouco esclarecido no Brasil, usado para designar ativistas da internet com capacitação técnica em burlar códigos criptografados de sistemas de informação computadorizada. No entanto, esta atividade é realizada sem danificar máquinas ou alterar dados contidos nos computadores – conduzida assim, no mais das vezes, para confrontar invasores maldosos. Trata-se, portanto, de uma ação preventiva, comumente confundida com a obra dos chamados crackers, os quais quebram sistemas de segurança com o objetivo oposto, ou seja, cometer atos delituosos.

Conforme os noticiários de todo o mundo têm publicado, o criador do WikiLeaks fez muitos inimigos ao longo de sua trajetória. No entanto, manteve-se firme no ideal de utilizar a internet como espaço de denúncia dos crimes cometidos pelos governos de turno. Abriu espaço para que pessoas comuns pudessem divulgar vídeos, imagens e textos na web, atestando contra os mais variados casos de abuso do poder. Em função disso, Assange sofre uma campanha de difamação, promovida sobretudo pelo governo norte-americano, delatado em cerca de 250 mil documentos diplomáticos.

Na contramão desta guerrilha cibernética, estão as redes sociais, ambientes destinados na maior parte das vezes à simples troca de conteúdos e ampliação de circuitos para contatos e negócios. Diante disso, Zuckerberg aparece como a versão idealizada do empreendedor bem-sucedido da sociedade da informação. É reverenciado por desenvolver um sistema capaz de aproximar pessoas de todo o mundo, diminuindo não só as distâncias geográficas, mas abrindo as brechas necessárias para colocar em prática novos instrumentos e recursos tecnológicos, fomentando o lucrativo comércio das mídias digitais.

Protagonismo dos visionários

Neste cenário de absoluto desprezo pela ação militante da cibercultura, Assange é visto como excêntrico e inimigo da democracia burguesa. Descrito como altamente perigoso, o hacker coloca em prática os preceitos básicos do verdadeiro jornalismo. Nesse ínterim, acaba sendo acusado de "crimes sexuais" para ser desmoralizado e, após pagar a fiança, é libertado de seu cativeiro político proclamando que irá acelerar a divulgação de documentos secretos, os quais não deixaram de ser publicados em função de sua ausência.

Embora esteja respondendo judicialmente a uma série de acusações, Zuckerberg em momento algum é colocado no banco dos réus pela mídia capitalista, como feito com Assange. Mas deveria, pois os gêmeos Tyler e Cameron Winklevoss acusam-no de roubar a ideia de criação do Facebook, colocando em discussão a problemática dos direitos autorais. Em um primeiro processo, movido em 2008, a dupla, que se diz injustiçada por Zuckerberg, recebeu US$ 65 milhões de indenização. Com a primeira vitória, os advogados alegam que a quantia não é suficiente e ingressaram outra vez na Justiça no início de dezembro passado.

Mas os problemas do garoto-prodígio de Harvard não param por aí. Ele mantém ainda como desafeto o brasileiro Eduardo Saverin, que participou da criação do site de relacionamentos como diretor financeiro e acabou processado por cobrar sua fatia do bolo, sob a alegação de "estar interferindo nos negócios da empresa". Saverin foi o responsável pelo investimento inicial de US$ 1 mil, dando o pontapé inicial na operacionalização do Facebook. Ele era amigo íntimo de Zuckerberg, mas quando o interesse econômico se sobrepôs, o afeto acabou sendo posto de lado, restando também ao brasileiro processar seu antigo sócio, o que lhe rendeu 5% de ganhos na empresa e uma quantia suficiente para viver como milionário. Tudo isso é retratado no filme A Rede Social, dirigido por David Fincher, que conta a história de criação do site de relacionamentos mais popular do mundo.

Resta ao público e ao júri popular que nomeou Assange, e não Zuckerberg, como personalidade do ano, questionar a técnica nociva com que a informação é transmitida pelo país de origem e reproduzida pelos demais grupos de mídia de plantão, a contragosto da opinião reinante na internet. Não há mais espaço para a falta de posicionamento crítico sobre as novas práticas de militância e ativismo político, que abundam hoje em dia nos meios virtuais. Contrapor-se à lógica valorativa da sociedade da informação, a qual premia as redes sociais e condena os movimentos de denúncia em ambiente colaborativo, é atualizar as táticas de ciberguerrilha e promover a defesa do interesse público em detrimento do nefasto consenso do silêncio proposto pelo mercado. O discurso retórico do potencial revolucionário da internet resume-se à propalada liberdade, a qual, na prática, evoca a mera participação, ou ainda, o consumo, afastando cada vez mais o protagonismo dos verdadeiros visionários.

Originalmente publicado em: Observatório da Imprensa

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