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domingo, 29 de maio de 2011

Os donos da mídia e a resistência necessária

Não é nenhuma novidade. O abuso de poder imposto pela propriedade privada dos meios de comunicação públicos é, sem sombra de dúvidas, um atentado à democracia e precisa ser enfrentado. No entanto, a forma com que os agentes políticos e econômicos operam no setor das comunicações, seja no Brasil, seja na Europa, demonstra que o embate a ser feito necessita de uma base social sólida; autônoma das decisões do Estado e do mercado e, sobretudo, consciente do seu papel decisivo para a transformação social. Neste sentido, é preciso apontar na direção de outras esferas de extensão da vida em sociedade, as quais ultrapassam o domínio político para se legitimarem em ações de cunho coletivo, mesmo as de pouca visibilidade.

Confere-se, assim, papel de destaque às iniciativas midiáticas essencialmente independentes. Em âmbito acadêmico, comunitário ou sindical, não são poucas as experiências de caráter não hegemônico o que, por si só, não representa uma ameaça ao modelo comercial, mas indica o avanço da comunicação que se reivindica alternativa. Por falta de incentivo do governo e considerando as amarras da legislação brasileira, que não permite o apoio comercial e ameaça a sustentabilidade destes veículos, provoca-se um anonimato estratégico, colaborando para a manutenção da ordem conservadora.

Na Europa, os exemplos de Rupert Murdoch e Silvio Berlusconi atestam para os riscos da liberalização do capital, principalmente quando está direcionada ao uso do poder exercido através dos meios de comunicação. A legislação italiana também se mostra falha, pois permite que o atual primeiro-ministro, no cargo há mais de 16 anos, mantenha o controle dos principais meios de comunicação do país. Através do grupo audiovisual de maior expressão na Itália, o Mediaset, Berlusconi promove a marketização de projetos pessoais, tanto a nível institucional, quanto ideológico. Na mesma linha atua Murdoch, dono da News Corporation, hoje disputando espaço com os principais conglomerados de mídia do mundo como o The Walt Disney Company e a Time Warner.

Murdoch não enfrentou problemas em concretizar a aquisição do principal concorrente no mercado de serviço de televisão por satélite, tendo, inclusive, o aval do governo Thatcher. A News Corporation obteve o sinal verde para evitar uma análise da operação e começar a negociar os termos do acordo do contrato, efetuando a compra total das ações da transmissora de TV por satélite BSkyB, algo em torno de 14 bilhões de dólares. Os casos europeus comprovam o poder exercido pelos donos das megacorporações midiáticas sobre os governos de turno.

Diferente do que ocorre na Europa, onde existe o predomínio do sistema público, no Brasil, evidencia-se a atuação da propriedade privada dos meios de comunicação. Contudo, esta mudança de paradigma não diminui as ingerências dos empresários de mídia sobre os órgãos deliberativos do Estado, espaço propício para a utilização do serviço de concessões como moeda de troca, sempre que convém ao governo. Fator que acaba sendo reforçado pelo controle exercido sobre alguns veículos ditos comunitários, prática comum entre políticos da base e da oposição.

Diante disso, é preciso reforçar o caráter independente das produções midiáticas, as quais estão contidas no domínio daquilo que se convencionou chamar de comunicação alternativa. A viabilidade de novos agentes no mercado, premissa forte da liberalização, pode ser utilizada como estratégia democratizante quando aplicada tanto ao modelo público, monopolista, quanto ao privado, oligopolista. Empregado para fins particulares, o mercado, mesmo quando regulado, não costuma responder aos interesses públicos mais básicos. Como é o caso da participação social no processo produtivo.

A descentralização na produção de conteúdos e na gestão das emissoras de caráter alternativo permite a autonomia dos sujeitos sociais envolvidos no processo de construção das novas experiências comunicacionais. Tais medidas permitem, ainda, a experimentação, geralmente descartada pelos administradores do modelo público e do privado, já que estão em jogo as regras de sobrevivência e aceitação de cada sistema.

Isto implica a necessidade de opor-se a qualquer medida que procure assegurar o domínio de uma classe sobre a outra. É comum, por meio de pressões políticas ou psicológicas, que um grupo dirigente tente coibir a atividade crítica e a resistência às suas tomadas de decisão. Portanto, infere-se que todo consenso formado em torno destes aparelhos prejudica a livre atividade de expressão e de manifestação dos atores sociais não hegemônicos.

Quando se coloca frente a frente os dois modelos, sem discutir a distribuição de poder, não se estão evidenciando os riscos de fracasso aos quais estão submetidas as experiências alternativas. O simples afastamento da estrutura de mercado não é suficiente para evitar os abusos de poder, que podem assumir uma postura autoritária sob o véu da regulação pública. Esta tomada de posição, sem as devidas ressalvas, poderia equivaler a submeter-se em operar enquanto aparelho privado do Estado, não aderindo às regras de jogo do mercado, mas, também, não exercendo livremente o direito à comunicação. Na verdade, a mídia independente precisa achar as brechas para operar em qualquer um dos casos, pois, no atual contexto, ambos reproduzem uma ideologia particular e estão a serviço das forças dominantes.

Originalmente publicado em: Revista do Instituto Humanitas Unisinos. 360 - Ano XI 09.05.2011 (IHU ON-Line)

sábado, 28 de maio de 2011

Confusão ideológica e interesses obscuros na sociedade da informação

Seria o “politicamente correto” uma boa orientação pelos tortuosos caminhos do ciberespaço? Discorre-se, essencialmente, sobre a possibilidade de deixar-se conduzir pelos hiperlinks. Cliques sucessivos, direcionados por aquilo que atrai o navegante sem ligação objetivamente lógica. Permitir que “novas páginas” se abram aos olhos curiosos, antes extenuados devido à obrigatoriedade de ações predeterminadas. Experiência íntima, subjetiva, sem, no entanto, ser menos política ou ideológica.

Não vejo capacidade revolucionária na simples instrumentalização das tecnologias digitais. Por isso, não sou partidário da ideologia do progresso. Muito antes o contrário. Não acredito nas potencialidades tecnológicas encurtando diferenças sociais na mesma proporção em que diminuem distâncias geográficas. Em sentido oposto, percebo que a digitalização das atividades culturais, ou seja, o avanço dos recursos de captação, produção e distribuição dos constructos midiáticos advindos do cotidiano, sobretudo em se tratando de audiovisuais, são meras representações das práticas sociais, agora virtualizadas. Atividades disponibilizadas em variadas plataformas, sem, contudo, se constituírem numa espécie de ato subversivo político-tecnológico. Como apregoam os entusiastas do pensamento pós-modernista.

Na verdade o que existe são outras possibilidades de consumo, abertura de mercado para a experimentação controlada e inclusão de novos atores no processo criativo, o qual também é predeterminado pelas indústrias de comunicação. Assim, cabe questionar: quais medidas estão sendo tomadas pelo governo de turno no sentido de ultrapassar o ideário positivista? Ou seja, as políticas adotadas no campo da comunicação visam ir além da mera inclusão sócio-digital? Tal questionamento se abre em função da propalada iniciativa sócio-inclusiva do Ministério das Comunicações, por intermédio do Plano Nacional de Banda Larga (PNBL).

Embora o acesso integral à internet precise ser levado em conta, este fator, por si só, não resolve o problema da democratização. É preciso diagnosticar a autonomia dos internautas em suas investidas pela web. De nada resolve acessar aos mesmos materiais circulantes na mídia impressa, televisiva ou radiofônica, sem protagonizar a inserção de conteúdos próprios na rede. Acesso e interatividade, sem protagonismo, enquadram-se perfeitamente na proposta liberal de inclusão e cidadania.

Objetivo político

A meta do governo é massificar a oferta de acesso à Banda Larga. Conectar à web 50% dos domicílios brasileiros até 2014, permitindo, assim, que mais de 90 milhões de pessoas tenham internet em casa. No entanto, este ímpeto não resolve o problema da imposição cultural e ideológica promovida pelas instituições políticas e econômicas que estão no poder.

De acordo com o Ibobe, em 2009, 94% dos domicílios brasileiros possuíam pelo menos um aparelho de TV, tendo acesso, no mínimo, à programação veiculada pelos canais abertos. Desde o surgimento do primeiro televisor no Brasil, em 1950, até os dias de hoje, pouco se avançou na diversidade de conteúdos veiculados por estes canais. Tampouco abriram-se espaços para novos atores sociais participarem do processo de produção de conteúdo, com capacidade para ameaçar as empresas de comunicação dominantes.

Ora, se não é permitido ultrapassar os limites normativos impostos pela tecnologia da informação e comunicação, seja nos espaços midiáticos ditos mais à direita ou à esquerda do processo decisório, o ambiente político-virtual precisa ser constantemente renovado, sob o risco do acesso à web não representar o avanço necessário nas políticas de comunicação do governo. A mensalidade do PNBL, que pode atingir a cifra de R$ 35,00, terá uma velocidade de conexão entre 512 Kbps e 1Mbps, o que é muito pouco na perspectiva de subir conteúdo para rede (fazer upload).

O governo dá mostras que está fundamentando sua postura amparado no ideário liberal, apregoado pela sociedade da informação. Cabe aos que não concordam com esta medida ultrapassar o limite institucional da contestação política, retomando este debate com os movimentos sociais que participaram da Conferência Nacional de Comunicação (Confecom). Caso contrário, caminha-se, novamente, para que as decisões de interesse público sejam tomadas em caráter privado, discutindo-se apenas com qual agente econômico internacional o governo irá se aliar para promover o fornecimento do serviço.

Recentemente o presidente da Telecom Itália, Franco Bernabè, manifestou muita vontade em expandir negócios no Brasil, o que ressalta a disputa com a Potugal Telecom no âmbito do PNBL. Esta última se coloca como gestora e gostaria de exclusividade na operação por intermédio da Oi. Já a TIM/Telecom Itália estaria negociando uma parceria com a Telebrás para avançar na proposta de operação desse serviço. O preço da Banda Larga, segundo os gestores da companhia italiana, poderia cair pela metade. Enquanto privilegia-se o consumo do cidadão neoclássico, inserido no mundo digital, o debate sobre o potencial protagonismo político das redes fica esquecido; como, infelizmente, tem acontecido com a maioria das proposições aprovadas na Confecom.

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Relembrando a leitura de Ernesto Sabato

Para minha surpresa recebi um e-mail hoje, dia 18/5, dando conta da publicação de uma resenha que fiz, em 2009, sobre o livro O Túnel, de Ernesto Sabato. A mensagem foi encaminhada por João de Deus Neto, que é Designer gráfico, caricaturista e blogueiro. Ele mantém o PicinezBlog (agora adicionado à minha lista de blogs, na coluna da direita). Ótimo espaço de crítica literária onde, inclusive, é possível ter acesso à leitura de algumas obras completas, como o livro Pé na Estrada de Jack Kerouac. Forte exemplo de democratização da cultura!

Motivado por esta boa lembrança estou postando novamente a resenha de O Túnel aqui no Exílio Midiático, pois, infelizmente, sigo sem muito tempo para novas postagens. De qualquer forma, este foi mais um estímulo para retornar à ficção. Sinto falta dos momentos em que era possível estar mais próximo de contos, crônicas e romances e, por outro lado, não tão focado em livros técnicos e científicos, pouco ou nada convenientes a releitura de si mesmo. Quanto mais passam os anos mais me convenço que a vida é uma grande ficção, sendo, cada um de nós, responsáveis por escrevê-la e narrá-la da forma como nos for mais proveitoso.

Abaixo a resenha em questão. A quem interessar possa, fica a dica deste belíssimo livro. Uma boa porta de entrada para a obra deste grande autor argentino. Boa leitura.

Não havia lido nada escrito por Ernesto Sabato, doutor em física, que deixou a carreira científica para enveredar pela arte. No livro “O Túnel”, impressiona a forma simples com que o autor trabalha sentimentos comuns a todos os seres humanos, tais como o ciúme e a possessividade, os quais tomam ares de seriedade e conduzem o personagem à loucura.

O livro é intenso. Não permite ao leitor pausas para respirar. A cada página a interação entre leitor e personagem torna-se profunda. A história do assassinato de Maria Iribarne, contada pelo próprio criminoso, Juan Pablo Castel, é uma estratégia utilizada pelo autor para conversar diretamente com os leitores, enquanto expõe as angústias e o sofrimento da personagem.

Não há suspense e romance melhor do que aquele que, embora seja previsível, ainda surpreenda. É isso que ocorre neste livro. Nas primeiras linhas o criminoso já assume: “bastará dizer que sou Juan Pablo Castel, o pintor que matou Maria Iribarne...”. Porém, é no encadeamento, nada lógico, e no conflito constante de idéias, que iremos nos deparar com as formas mais complexas que a vida amorosa pode assumir e, ainda, com as experiências mais sinceras que a solidão pode proporcionar.

O nosso protagonista, no entanto, não se envergonha ou lastima por ser assim – um ser afastado de todos e de tudo - muito pelo contrário, ele sente orgulho de sua característica. Sente, na verdade, verdadeira repulsa à sociedade e às relações humanas, as quais julga ser, ao mesmo tempo, sujas e opulentas.

Castel impressiona em todos os sentidos. Faz com que o leitor releia a própria condição humana através da experiência contida em uma perspectiva de sociedade, sendo esta traçada pela visão de um solitário e idealista do amor.

Nada escapa as conjeturas deste incrível personagem. Capaz de refletir várias vezes antes de tomar uma atitude e, mesmo assim, incapaz de pensar quando está cego de amor e de raiva, proferindo sentenças das quais se arrependerá amargamente. Processo realizado antes mesmo de tê-las dito, mas sem conseguir conter tais afirmações.

É preciso ler esta breve história de confissão de um criminoso, nada comum, sem dar muito espaço à razão; o momento é dado à insensatez. O pintor, que segue sua jornada de incompreensão mesmo dentro de uma cela, entende que foi possuído de ódio, desprezo e compaixão; sofre de um amor próprio doentio, mas não entende o que levou o marido traído de Maria Iribarne, após saber de tudo, cometer suicídio.

É um perspicaz investigador de si mesmo, porém, não consegue compreender os sentimentos dos outros.

Escrito em meados de junho do ano de 2009.

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