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terça-feira, 30 de agosto de 2011

Anistia para os comunicadores populares

Na última quarta-feira, 24 de agosto, a Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária do Rio Grande do Sul (Abraço-RS) realizou um protesto em frente à Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). O objetivo da manifestação foi marcar os 15 anos de luta do movimento de rádio comunitária e pedir o fim da perseguição aos comunicadores populares de todo o estado. Na parte da tarde, o Plenarinho da Assembléia Legislativa do RS recebeu a presença de parlamentares e lideranças da Abraço para discutir, junto aos comunicadores, a pauta de reivindicações que foi encaminhada, horas mais tarde, ao governador Tarso Genro e à secretária de Comunicação e Inclusão Digital, Vera Spolidoro.

A resolução das questões apresentadas é de ordem prática. Os discursos entusiasmados, proferidos por políticos da base governista, ratificando o óbvio, não são mais suficientemente capazes de acalentar os anseios da militância. Entre as reivindicações, ressalta-se a necessidade de financiamento público, sem considerar os 20% de repasse das publicidades do governo, que também deveriam ser direcionados às emissoras comunitárias. Além disso, é preciso rever a potência dos transmissores, hoje muito baixa. Apenas 25 watts, com alcance de 1 km. Outro ponto a ser destacado é a liberdade de escolha da frequência em que as rádios operam ou devem operar. A Lei 9.612/98, sancionada durante o famigerado governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC), estabelece apenas um canal de transmissão para todas as rádios comunitárias do Brasil. Essa medida tem contribuído para gerar o caos entre os comunicadores, distribuindo multas a torto e a direito.

Esses são apenas alguns dos pontos a serem resolvidos e já dão uma ideia do atoleiro político-burocrático em que a comunicação comunitária está metida. No seminário realizado na tarde da última quarta-feira, o deputado federal Dionilso Marcon (PT), acompanhado dos deputados estaduais Jefferson Fernandes (PT) e Edegar Pretto (PT), enfatizou a importância do fortalecimento da mídia alternativa. Ao citar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Marcon reconheceu que, “se os comunicadores não ficarem no pé dos parlamentares, estes correm o risco de achar que está tudo numa boa”.

Segundo ele, a dificuldade em viabilizar recursos às rádios comunitárias, no formato de apoio cultural, se estabeleceu a partir da negociação entre a Associação Gaúcha de Emissoras de Rádio e Televisão (Agert) e o Ministério das Comunicações. Para Marcon, cabe ao movimento de radiodifusão comunitária aumentar a pressão junto aos políticos que são partidários de suas bandeiras de luta, evitando, assim, essa tomada de decisão por parte do governo.

De fato, se for feito um balanço do governo Lula será um tanto quanto desalentador para o movimento de radiodifusão comunitária. Entre 1995 e 2007 mais de três mil emissoras de rádio e canais de televisão comerciais tiveram suas multas perdoadas. Por outro lado, cerca de R$ 100 milhões de reais em equipamentos utilizados por rádios comunitárias, de todo o país, foram confiscados. Hoje, em torno de 20 mil comunicadores populares estão respondendo a inquéritos ou processos na Justiça Federal. Entre eles está o coordenador executivo da Abraço-RS, Clementino Lopes, condenado a dois anos e seis meses de prisão. Neste momento, aguardando recurso.

De acordo com Lopes, "se faz necessário não apenas anistiar os comunicadores que estão sendo criminalizados, como, também, deve ocorrer o mesmo em relação às multas aplicadas pela fiscalização da Anatel e pelo Ministério das Comunicações, em função do uso de apoios culturais". Durante a Conferência Nacional de Comunicação (Confecom ), ocorrida em dezembro de 2009, foi aprovada uma resolução anistiando os radiodifusores, porém, até agora, nenhuma lei foi sancionada pelo governo.

Erros que precisam ser corrigidos, pois, em busca da liberdade de expressão, muitas emissoras populares ficam reféns dos governos de turno, ou, ainda, de párias da oposição. Com isso, as emissoras acabam servindo de curral eleitoral, quando, na verdade, deveriam prestar serviços à comunidade, sem adotar conotação político-partidária em suas transmissões. É fundamental que a comunicação alternativa reafirme sua posição ideológica, historicamente em defesa daqueles que não têm vez, nem voz, nos canais de comunicação da grande mídia. Para isso, é preciso ter autonomia tanto na gestão, quanto na produção de conteúdos.

Originalmente publicado em: Blog da RádioCom 

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Pedro e os Lobos - divulgação

É com muito prazer que divulgo, aqui no Exílio Midiático, a obra "Pedro e os Lobos: os Anos de Chumbo na trajetória de um guerrilheiro urbano", de autoria do jornalista João Roberto Laque. Recebi um e-mail do autor falando sobre a dificuldade na divulgação de materiais como esse. Confesso que ainda não realizei a leitura, mas já está feita a encomenda. Inclusive, para adquirir este verdadeiro documento histórico é muito simples: basta acessar o o blog http://www.pedroeoslobos.blogspot.com/. Também é possível efetivar a compra via Estante Virtual. Clicando aqui você será redirecionado para a página onde consta a lista dos sebos com estoque do livro. Em breve postarei minhas impressões sobre o conteúdo. Logo abaixo, reproduzo material onde é feita a apresentação da obra.


OS 80 ANOS DUM HERÓI DE CARNE E OSSO

Por João Roberto Laque

Pedro Lobo de Oliveira acaba de fazer 80 anos e ainda permanece ignorado pela historiografia oficial. Diferente de muitos dos nossos heróis de feriado ou estátuas esquecidas em praças públicas, Pedro tem um histórico de luta pela causa do povo onde não faltam coragem, abnegação e cheiro de pólvora. Odiado pelos milicos por sua bravura e obstinação, Pedro foi um dos mais aguerridos combatentes na luta contra os militares que se aboletaram no poder no último dia de março de 1964. Entre suas ações estão expropriações de bancos, ataque a quartéis e a execução, a tiros, do capitão norte-americano Charles Rodney Chandler.

Preso no início de 1969 quando camuflava um caminhão com as cores do Exército para um ousado plano de ataque ao 4º Regimento de Infantaria, na cidade paulista de Osasco, o companheiro de Carlos Lamarca na Vanguarda Popular Revolucionária, e de Dilma Rousseff na VAR-P, será barbaramente torturado até ser banido do país na troca por um embaixador alemão. Depois de passar pela Argélia, fazer treinamento militar em Cuba e escapar da morte no golpe que derrubou Salvador Allende do governo chileno, Pedro acabará se fixando na antiga Alemanha Oriental, atrás do que o Ocidente costumava chamar de Cortina de Ferro. Com a anistia, o ex-sargento volta ao Brasil e é reintegrado a Polícia Militar como se sua vida encerrasse um caprichoso ciclo. Sobrevivente duma guerra sem regras, esse herói de carne e osso acaba de ganhar uma biografia – o livro Pedro e os Lobos – Os Anos de Chumbo na trajetória de um guerrilheiro urbano e começa a ter sua vida retratada em filme.

Legenda foto 1: Capa do livro
Legenda foto 2: Pedro Lobo autografa sua biografia no antigo prédio do DOPS paulista onde hoje funciona o Memorial da Resistência

Conheça um pouco mais da fascinante história dum brasileiro de vida ímpar:
Acesse www.pedroeoslobos.blogspot.com
Clique www.laque.blospot.com
Fale com o autor: joao@pedroeoslobos.com

sábado, 20 de agosto de 2011

Perder para se achar

Levantou um pouco mais tarde do que de costume. Acordou com a sensação de que havia perdido alguma coisa. Na noite anterior, mesmo sem lembrar detalhes, foi acometido por algo muito grave. Mas já estava atrasado e não havia tempo para procurar pelo objeto de sua aflição. Na certa, ao fazer o caminho de sempre rumo ao trabalho, lembraria o que estava procurando.

Dirigindo-se até o carro sentiu uma vontade súbita de ir para o serviço utilizando outra condução. Não chegaria mais no horário mesmo e, aquela altura, o trânsito já deveria estar um caos. Fazia sempre o mesmo trajeto. Quando saltou do ônibus, se encontrava próximo à estação de trem. De repente, avistou um grupo de índios sentados na calçada. Eles estavam do outro lado da rua. Tocavam flautas e vendiam artesanato. Sentiu uma imensa vontade de aproximar-se. Foi o que fez. Caminhou até lá e, ao dar as costas à estação, ouviu o barulho dos vagões passando sobre os trilhos.

Estava realmente encrencado. Já passavam duas horas do horário previsto para chegar ao trabalho. Mesmo assim só conseguia pensar na beleza do som que lhe invadia o ser. Chegou perto de um dos nativos e perguntou há quanto tempo estavam ali. A resposta lhe surpreendeu:

- Estivemos sempre aqui. Mesmo antes desta selva de pedras se erguer ao nosso redor.

Achou tudo muito estranho. Nunca havia reparado no ambiente que o cercava ao passar por aquele local. Menos ainda na música, nos sorrisos e nos olhares solidários perdidos em meio à correria do dia a dia. Percebeu que se aproximava da meia hora da tarde e resolveu seguir viagem. Prometeu aos índios voltar para ouvi-los novamente. Entrou no túnel rumo à estação de trem e se deparou com um velho senhor sentado próximo as escadas. O pedinte esticava o braço em busca de esmolas, mas as pessoas pareciam não vê-lo. Sentiu-se indignado ao deduzir que elas estariam acostumadas com a presença do pobre ancião e, portanto, não se sentiam instigadas a prestar solidariedade. Sentou-se ao lado daquele homem castigado pelo tempo e ouviu a frase dita exaustivamente:

- O senhor pode me ajudar? Qualquer coisa serve.

Enfiou as mãos no bolso e percebeu que estava com pouco dinheiro. Na verdade, tinha apenas R$ 3,00 reais, sendo R$ 1,00 real em moedas. Entregou a cédula de R$ 2,00 reais ao velho pedinte, recebendo como retribuição um sorriso sincero. Ficaram conversando por um bom tempo. Descobriu que aquele homem nem sempre esteve em condição tão ingrata. Havia constituido família, trabalhado e chegou a ser dono de um pequeno estabelecimento comercial no centro da cidade. A morte das filhas e da esposa, em um acidente de trânsito, acabou o empurrando ladeira abaixo. Vieram as bebedeiras e, quando menos esperava, já havia perdido tudo.

Estava envolvido na conversa quando ouviu alguém dizer que já passava da uma hora da tarde. Apalpou os bolsos da calça e percebeu ter esquecido o celular. Ficou inquieto. Sabia que, desde ontem à noite, havia perdido alguma coisa, mas não conseguia lembrar o que era. Agradeceu ao novo amigo pela conversa e seguiu em direção ao trabalho. Estranhou sua própria tranqüilidade, pois, ao contrário das outras vezes - quando se atrasava menos de quinze minutos - não se sentia desconfortável. Ao embarcar no trem recostou-se ao assento e observou à sua volta. Nunca havia feito isso. Viu pessoas como ele. Elas, ao contrário, pareciam ver nele uma pessoa diferente.

Por isso, apenas sorriu e acenou com a cabeça, de forma cordial. Alguns riram, outros não ousaram encará-lo, muitos dormiam e nem perceberam sua presença, e, a maioria, parecia acostumada com pessoas de todo tipo. Ao parar na segunda estação, um menino, de no máximo 12 anos, entrou no trem e começou a discursar:

- Olá senhoras e senhores, me chamo Júlio, estou aqui pedindo a colaboração de vocês porque estou desempregado e minha família está passando fome. Qualquer ajuda é bem-vinda.

A maioria nem percebeu a presença do garoto. Muitos pareciam acostumados com este tipo de situação e deram de ombros. Vasculhou nos bolsos. Ainda tinha R$ 1,00 (em moedas). Resolveu entregar ao menino. Não ficou refletindo sobre o uso do dinheiro. Apenas reconheceu que, em sua posse, tampouco seria mais útil. Novamente a retribuição foi um sorriso, dessa vez, no entanto, acompanhado de um “muito obrigado”.

Desceu na estação mais próxima ao serviço, já passava das duas da tarde. Lembrou que seus colegas de trabalho deveriam estar voltando do almoço. Não sentiu fome. Percebeu a presença de uma moça na estação onde descera. Ela usava roupas curtas e insinuava-se para todos os homens que passavam. Quando cruzou com ela, apenas sorriu. Foi convidado para ir até a praça do outro lado da rua e dar uma “rapidinha”.

Continuou sorrindo, mas, em uma fração de segundos, passou a encará-la com olhar fraternal. Recebeu uma cara de espanto como resposta. Ela virou-lhe as costas, mas ele insistiu que gostaria de conversar. A moça cedeu aos seus apelos. Durante o bate papo descobriu que ela tinha dois filhos e morava embaixo da marquise de um prédio não muito longe. A prostituição, para ela, ao contrário de muitas de suas amigas, não era bem uma opção. Sentiu-se constrangido por estar em uma situação muito mais confortável. Tinha casa, saúde, emprego, enquanto sua interlocutora, de no máximo 15 anos, já era mãe de dois filhos e esperava um terceiro.

Ficou sabendo que ela não tinha o que comer desde ontem à noite. Nesse momento, recordou, “havia perdido algo” no dia anterior. Num lapso de instante a menina levantou-se e disse que precisava ir andando. Ela chorou bastante enquanto conversavam, mas já se aproximava das cinco horas da tarde e precisava dar de mamar ao filho menor. Só então ele recordou que estava indo em direção ao trabalho. O local onde desempenhava sua rotina laboral era próximo da estação. Rumou até lá e, no caminho, viu crianças brincando, acariciou um cachorro que passava, parou por uns instantes na frente de uma bela estátua, não sabia bem qual era o nome do santo, mas, pouco importava, admirou a beleza da encantadora escultura. Dizem que chegou até a falar com ela.

Quando chegou ao prédio da empresa cumprimentou o porteiro. Este último correu em sua direção. Meio sem fôlego e com um aspecto sério lhe disse:

- O que aconteceu? Desde ontem ninguém consegue falar com você. Seu chefe está uma fera. Por que não voltas para casa? Amanhã diga que estava doente e apresente um atestado. Caso contrário, na certa, serás demitido.

Agradeceu, é claro, a preocupação do amigo, mas resolveu subir até a sala apertada que dividia com mais três colegas. Enquanto subia a escada passou por cada um deles e todos tentaram impedir o encontro com o chefe. Agradeceu, novamente, mas seguiu seu rumo. Quando ficou frente a frente com o homem furioso que estava a sua espera, percebeu semelhanças entre os dois. O homem esbravejando em seus ouvidos era igual a ele, igual a todos os outros encontrados pelo caminho, embora, no serviço, fosse reconhecido como uma entidade “superior”. Não ouviu uma só palavra das ofensas proferidas em tom de indignação, apenas sorriu e disse:

- Lembrei!

- Lembrou? Como assim? Lembrou o quê? Você está demitido – retrucou o chefe zangado.

- Tentei ligar para você o dia todo. Não deu justificativa nenhuma de sua ausência e não atendeu as chamadas no celular – continuou a esbravejar o patrão em sua cólera diante do funcionário.

-Não tem problema. Eu lembrei - disse ele ao abraçar seu carrasco.

-Me solte e saia já daqui! Você está demitido! Entendeu? Demitido! Parece ter perdido a sanidade. Que horror – vociferou novamente o seu “superior”.

-Sim. Foi isso mesmo. Ontem à noite eu perdi a sanidade e hoje a única coisa que ainda me atormentava era não saber o que tinha perdido. Agora já sei e posso seguir meu caminho.

- É. Siga sim. O seu caminho é o caminho da rua - retrucou o outro cheio de ódio.

-Claro, por isso estou tão feliz. Eu já não suportava mais ficar aqui dentro. Nem lembrava como é a vida fora desta sala. Precisava sair. Vou embora com a consciência tranqüila, pois estava prestes a enlouquecer!

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*Alguns dos poemas, contos e crônicas que escrevi no passado e outros mais recentes, como este, podem ser encontrados no site Recanto das Letras. Caso tenha interesse em continuar a leitura, clique neste link.

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Dia do$ Pai$

O último domingo marcou mais uma data vergonhosa, imposta aos trabalhadores brasileiros pelo calendário consumista da ideologia norte-americana. Segundo a Serasa Experian, houve um acréscimo de 8,8% nas vendas - em relação ao mesmo período do ano passado - durante a semana que antecedeu o dia 14 de agosto, data correspondente à comemoração do Dia do$ Pai$, agendada anualmente para o segundo domingo deste mês. Mas o que mais impressiona é a falta de bom senso da maior parte das pessoas, já em idade adulta, quando se aproximam tais “datas comemorativas”. Infelizmente, mercantilizar o amor, o afeto e o carinho já são práticas naturalizadas, seja em relação a pais, mães, filhos ou cônjuges.

Desde quando é possível valorar sentimentos por meio da troca simbólica de produtos, na maioria dos casos, dispensáveis? A questão é pertinente e precisa ser discutida. Não raras às vezes, famílias com renda insuficiente para suprir necessidades básicas de subsistência se veem submersas na lógica consumista que baliza as relações afetivas. O convencimento se dá de várias maneiras, mas, sem sombra de dúvidas, o jogo sujo das campanhas publicitárias aliado às “reportagens festivas” das megacorporações midiáticas, contribui significativamente para fortalecer as regras nefastas do sistema capitalista.

Chega a ser infame. Você ama? Dê um presente. Não tem dinheiro? Dá um jeito. Faz um empréstimo. Compra nem que seja uma “lembrancinha”, mas não deixa de gastar “algum”. O importante é consumir. Não dá para comprar “aquele presente”? Então, que seja uma meia, uma gravata, um lenço, uma carteira. Qualquer coisa. O mercado precisa lucrar. Empresários, dos mais variados ramos, estão afoitos para faturar e, ao trabalhador, cabe o papel de protagonista deste processo degradante.

Origem ideológica

Levando em conta a suposta “origem” do chamado Dia do$ Pai$ é claramente perceptível o tamanho da babaquice. No âmbito escolar chega a ser traumatizante. Quem nunca foi obrigado a participar de uma homenagem do Dia do$ Pai$ quando era criança? Lembro de colegas que não conheciam seus genitores, muitos nunca haviam sequer trocado uma só palavra com eles. Outros mal sabiam se estavam vivos, mas, mesmo assim, eram constrangidos pelos professores sendo obrigados a participar das “comemorações”. A solução encontrada para suprir essa ausência era fazer uma “dedicatória” ao padastro, avô, tio ou outro parente próximo qualquer. A lenga lenga contada nas salas de aula é referendada em portais da internet dedicados ao fornecimento de cartões virtuais. É só procurar. Não faltam explicações sobre o porquê de se induzir as pessoas a gastarem dinheiro em datas como essa.

O discurso dominante, reproduzido em escolas e meios de comunicação, vai contar a história de um tal de Elmesu, que viveu há mais de 4 mil anos na Babilônia e esculpiu uma estátua dedicada ao seu progenitor. Recordo-me dessa história sendo exaustivamente narrada nos tempos de colégio. A maior parte dos estudantes ficava pensando o que isso tinha a ver com a sua realidade. Diga-se de passagem, eram crianças afoitas em agradar seus pais. Queriam fazê-los orgulhosos. Contudo, como já disse, além dessas, havia as que não os conheciam ou, simplesmente, os odiavam. Não cabe aqui destacar o porquê da repulsa de cada um dos meninos e meninas. Os motivos eram muitos e, garanto, justificáveis. Ficavam se perguntando por que deveriam “esculpir” um desenho em homenagem a um ser que consideravam desprezível.

Imposição cultural

A tolice que representa a comemoração do Dia do$ Pai$, e qualquer outra similar, só toma ares de seriedade quando se explicita a imposição dos valores dominantes através da expropriação do dinheiro suado da classe trabalhadora. Motivo pelo qual esta “data festiva” foi sumariamente importada dos Estados Unidos para ser incorporada ao calendário tupiniquim. Reza a lenda que, no início do século XX, a filha de um ex-soldado norte-americano, que lutou na Guerra da Secessão - conhecida também por Guerra Civil (entre 1861 e 1865), quis homenageá-lo, pois teria, este homem, criado a ela e seus cinco irmãos sozinho, após ficar viúvo. Façanha realizada por milhares de pais, mães, irmãos e tantos outros que nem laços familiares possuem para com crianças de todo o mundo.

No entanto, o “homenageado” não era apenas "um bom pai". Era um veterano de guerra. William Jackson Smart, pai de Sonora Smart Dodd e outras cinco crianças, lutou ao lado das forças do Norte durante a Guerra Civil. Após o combate, alistou-se ao Grande Exército da República, organização destinada a acolher soldados dispensados da chamada União. As tropas deste grupo, formadas por 23 estados, eram defensoras do rápido desenvolvimento industrial, cuja mão de obra e as condições para o crescimento econômico, alicerçadas no mercado, dependiam exclusivamente do trabalho assalariado. Rechaçavam, portanto, os, não menos oportunistas, latifundiários do Sul, raivosos defensores do escravagismo. Ao contrapor a aristocracia agrária evidenciavam a necessidade do estabelecimento de barreiras protecionistas e incentivos fiscais, visando impulsionar o mercado interno. Em síntese, queriam acabar com a escravidão direta e, indiretamente, começavam a “esculpir” outro tipo de escravidão não muito longe dali, a simbólica.

Na década de 1950, como bons servos da cultura ianque, o publicitário Sylvio Bhering e o empresário Roberto Marinho, então presidente das Organizações Globo, resolveram aquecer as vendas do comércio incentivando a incorporação do Dia do$ Pai$ ao calendário de “festividades nacionais”. Na época, o jornal O Globo propunha que a adoção desta data permitiria reunir a família em torno do “chefe da casa”, ou ainda, do "líder da prole".

Hoje, enquanto muitos se acotovelam nas lojas, esbarram uns nos outros pelas ruas e trocam olhares inverossímeis ao “presentearem” seus pais, recordo-me com saudades e muito carinho do meu velho. Das muitas coisas que aprendi com ele, uma é de conhecimento de todos, mas nem sempre costuma ser lembrada. Por mais que se tente, jamais será possível mensurar ou valorar o amor.

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Quem decide as políticas de comunicação no Brasil?

Durante os oito anos do governo Lula as políticas de comunicação foram, em grande parte, negligenciadas. Seja pela falta de coragem política - ao entregar a pasta das Comunicações para aliados do maior conglomerado de mídia do país, a Rede Globo - ou, ainda, por deixar para depois a discussão sobre o marco regulatório, sabendo que a lei em vigor tem origem no período prévio à instauração da ditadura militar. O fato é que, desde o princípio, o governo selou um pacto nefasto para não se interpor no caminho da iniciativa privada.

Miro Teixeira (PDT), Eunício Oliveira (PMDB), Hélio Costa (PMDB) e Arthur Filardi Leite estão, todos, de uma forma ou de outra, vinculados à emissora da família Marinho e às forças políticas responsáveis pelo golpe de 1964. São agentes que atuam nos âmbitos político e econômico, promovendo, de um lado, a marketização de projetos pessoais, e, de outro, a manutenção do status quo. Nos anos 60, Teixeira trabalhou como repórter do jornal O Dia, cujo proprietário, o udenista Chagas Freitas, era muito próximo de Roberto Marinho. Já Oliveira é um dos “notáveis” membros da bancada ruralista e, curiosamente, a política de comercialização da Rede Globo destina uma considerável parcela do seu bolo publicitário ao agronegócio.

Como se não bastasse, os dois últimos ministros de Lula sentiam-se acima da lei. Ambos se revezaram na direção da rádio Sucesso FM, em Barbacena, Minas Gerais, prática proibida pela legislação em vigor. É bom lembrar, também, que Costa foi correspondente do Voice of America, em 1968, período de forte censura e repressão no Brasil. Além disso, o ex-ministro atuou como repórter da Globo, sendo, inclusive, chefe de reportagem em Nova York e correspondente em Washington, Londres e Paris. A chegada de Paulo Bernardo ao Ministério das Comunicações parecia sugerir mudanças significativas nesse cenário. Na prática, infelizmente, isso não ocorreu. Hoje, a principal discussão sobre as políticas de comunicação está focada no Plano Nacional de Banda Larga (PNBL). Com o programa completamente desconfigurado de sua versão original, percebe-se, novamente, o incentivo do governo à iniciativa privada, desta vez representada na figura das empresas de telecomunicações.

A adesão ao PNBL por parte das operadoras Oi - na qual a Portugal Telecom possui 22,4% de participação - e Telefônica, que lidera o ranking de reclamações do Procon, sobretudo em relação à banda larga, evidencia o modus operandi do governo de turno. Procura-se beneficiar os agentes financeiros mesmo em detrimento da qualidade do serviço prestado. Para se ter uma idéia, em 2009, o chamado “speedy” sofreu tantos protestos que, a empresa espanhola, foi obrigada a deixar de prover o acesso à internet, após advertência da Anatel. O valor estipulado para a mensalidade do PNBL, fixado em R$ 35,00 por uma velocidade de 1 Mbps, faz do “cidadão” mero consumidor. Nesse sentido, a “inclusão” - tão propalada pelo governo - até pode entrar em curso, mas, a emancipação digital, está cada vez mais longe de se concretizar.

Originalmente publicado no jornal ATENTO (agosto de 2011) da RádioCom 104.5 FM de Pelotas.

Sobre revoluções e democracias

Não faz tanto tempo assim. Certamente o leitor lembrará que, em 1968, milhares de estudantes e trabalhadores tomaram as ruas da França protagonizando um dos movimentos políticos de maior repercussão na história recente. Estava em evidência a luta pelos direitos civis. A famosa greve geral, do dia 13 de maio daquele ano, levou mais de um milhão de pessoas a organizarem-se, na base dos sindicatos e nos centros acadêmicos das universidades, para exigir mudanças radicais nas políticas conservadoras adotadas, à época, pelo general Charles de Gaulle. Hoje, as revoltas no mundo árabe e a crise econômica na Europa apontam na direção de uma mudança significativa, pelo menos a nível operacional, na forma de organizar a luta política.

Esse processo é acompanhado de perto pelos meios de comunicação, que têm papel fundamental na formatação da imagem dos personagens envolvidos no conflito e no próprio entendimento destes acontecimentos históricos por parte do público. A cobertura da chamada “grande mídia” não apenas molda o caráter das agitações populares (proliferando os chamados “eventos midiáticos”), como, também, dá-lhes novo relevo. Na década de 1960, a contracultura, representada no âmbito midiático pelo lema “sexo, drogas e rock’n roll”, repercutiu fortemente no Brasil e inspirou, por exemplo, a chamada Tropicália. O grupo de artistas que compunha esse movimento rapidamente foi absorvido pela indústria cultural e suas reivindicações – sintetizadas no princípio da igualdade entre os sexos – ficaram restritas à confrontação artístico-cultural.

Relativização do acontecimento

Embora a origem das exigências populares, na França, tenha sido determinada por questões de interesse coletivo – inclusive, motivando discussões sobre discriminação racial nos Estados Unidos e, paralelo a isso, o surgimento do movimento hippie – é importante destacar que os meios de comunicação, naquele dado momento, procuraram evidenciar certos aspectos em detrimento de outros, seguindo sua regra de ocultação e acentuação. É evidente a relevância das manifestações artísticas e a reflexão que, por vezes, permitem evocar. São experiências fundamentais para a construção de uma sociedade mais justa e fraterna. No entanto, a ação política não pode ser suplantada e, tal feito ocorre, repetidamente, na história da publicização dos fatos. Com a atual cobertura dos conflitos internacionais é possível evidenciar, mais uma vez, esse processo. Desloca-se o núcleo de interesse das matérias para o âmbito tecnológico, deixando em segundo plano a importância da ação direta, ou seja, o embate político.

Os neo-revolucionários, formatados pela mídia hegemônica, são descritos como jovens de classe média, bem-educados e com amplo domínio de sites de relacionamento e disseminação de conteúdos, como Twitter e Facebook. Aliás, foi através destes mecanismos que, recentemente, púberes espanhóis, organizados por meio do movimento “Democracia Real Já”, conclamaram seus pares a amplificarem a luta contra as medidas tomadas pelo governo do socialista José Luis Rodríguez Zapatero. Embora, na Espanha (para não dizer globalmente), o neoliberalismo dê mostras de sua falência, com os cortes realizados na área social atingindo desde os trabalhadores mais jovens até os aposentados, os meios de comunicação preferem relativizar o acontecimento.

Defesa do livre mercado

Constantemente, os principais noticiários da mídia eletrônica – também brasileira – destacam o papel quase imprescindível desempenhado pelas redes sociais na organização da luta promovida pelos insurretos. Nada se fala da efetiva motivação de tais movimentos, o progressivo abandono da política do welfare State e a consequente adesão catastrófica ao modelo do Estado mínimo, própria do neoliberalismo. Para tentar contornar o déficit orçamentário, privilegiam-se banqueiros e cortam-se os benefícios da maior parte da população, mas o foco central da midiatização dos fatos recai sobre o perfil dos ativistas cibernéticos e suas ferramentas de luta.

No Egito, por ocasião dos protestos contra o governo de Muhammad Hosni Said Mubarak, o acesso móvel ao Twitter foi bloqueado. A medida foi adotada logo após o governo tomar conhecimento de que os protestos estavam sendo transmitidos para todo o mundo via internet. Essa ação serve como um bom álibi para se defender a liberdade do uso tecnológico e, progressivamente, chegar à defesa do livre mercado, pois, para a mídia dominante, quem quiser se sublevar, no atual contexto das mídias digitais, precisa fazer uso de tais instrumentos. Contudo, a legítima condenação da censura não pode ser confundida com defesa de mercado desregulamentado, sem proteção social.

Barricadas virtuais

Não se trata de desconsiderar as potencialidades da internet, especialmente porque se reconhece sua importância, com destaque para quando o uso das redes é direcionado para contribuir na organização dos movimentos sociais. Acontece que este determinismo tecnológico, resultante do fetichismo digital contemporâneo, acaba colaborando para minar antigas formas de organização popular, responsáveis por importantes mudanças no comportamento da sociedade mundial, a exemplo do que ocorreu em 1968.

A glorificação do uso das redes corrobora para a construção de um novo perfil revolucionário, o qual, antes de tudo, precisa estar apto a consumir tecnologia. É como se não fosse mais possível conformar a luta política pelos meios convencionais. Assembleias, atividades de formação, panfletagens, colagens e seus congêneres são, pouco a pouco, convertidos em práticas antiquadas. Com isso, promove-se o enfraquecimento do esforço da militância, amputa-se o verdadeiro sentido das manifestações populares e incentiva-se a construção de meras barricadas virtuais. Para a identificação do que está por trás disso tudo, basta considerar-se a eficácia deste modelo para o custeio da democracia liberal e o apoio do governo norte-americano para a sua devida concretização.

Originalmente publicado em: Observatório da Imprensa 

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