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terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

É preciso abortar a grande mídia

Nas últimas semanas, os jornais Folha de S.Paulo e Estado de S.Paulo reacenderam a polêmica discussão sobre a legalização do aborto. Segundo revela a cobertura realizada pelos representantes da mídia conservadora, é dispensável ter formação acadêmica e experiência comprovada na área para tratar do tema. Posição esta evidenciada pelo tratamento que está sendo dado à ministra da Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM), Eleonora Menicucci de Oliveira. Sob esta práxis político-comunicacional, cria-se uma cortina de fumaça, encobrindo pontos conflituosos e assegurando o discurso único, no qual apenas os interesses da bancada evangélica e dos setores conservadores da igreja católica ganham destaque.

Não se debate seriamente a questão. O assunto se dá por encerrado antes mesmo de ter começado a ser discutido. Esta lógica é facilmente aceita pelo conjunto da população. Afinal, neste caso, o pensamento comum determina: se a pessoa é a favor da vida, é contra o aborto e, logicamente, contra a legalização desta prática. Quem ousa discordar ou não aceita esta formulação na íntegra é porque não preza o direito à vida. Sendo assim, as poucas vozes dissonantes encontram-se na marginalidade. Estando no limbo, tais opiniões pouco importam e, no mais das vezes, são apenas manipuladas para reforçar a posição dominante.

Ora, um dos princípios fundamentais da concepção de uma boa reportagem é, justamente, o exercício do contraditório. Esta palavrinha, embora não goze de muita simpatia nos veículos hegemônicos, torna-se fundamental para evitar a perigosa formação do consenso. Não faltam exemplos, na historiografia nacional e internacional, de situações nas quais a ausência de pensamentos divergentes acabou refletindo em práticas autoritárias, ocasionando o cerceamento da liberdade de expressão. Ao não se deixar levar pelos preceitos despóticos que regem os editoriais da grande mídia, a ministra Eleonora Menicucci está desagradando, e muito, os grupos de comunicação dominantes, cujo papel primordial tem sido o de porta-voz de um moralismo exacerbado.

“Mal amada” e “irresponsável”

Recentemente, acuada pela perseguição midiática, a ministra, que assegura ser a favor da descriminalização do aborto, teve de dar uma resposta capaz de apaziguar os ânimos com as famílias Frias e Mesquita. Momento no qual preferiu enfatizar sua obediência às deliberações do governo de turno, e não mais os argumentos que tem sustentado ao longo de sua trajetória de militância. A presidente Dilma Rousseff, por sua vez, vem reforçando desde o período em que este assunto entrou em pauta, ainda na campanha presidencial, que é contrária à interrupção natural de uma gravidez.

Mas as duas declarações parecem não convencer a oposição e seus súditos da imprensa, os quais se utilizam de uma entrevista concedida à Folha de S.Paulo, em 2007, para reforçar a tese de que o atual discurso da presidente não seria confiável. Na época, a então ministra-chefe da Casa Civil disse ser a favor da descriminalização do aborto.

A sutil diferença entre defender a descriminalização e ser favorável à banalização do ato em si acaba sendo tendenciosamente escamoteada pelos meios de comunicação. No início de fevereiro, a Folha de S.Paulo descreveu a nova ministra de Dilma como sua “ex-companheira de prisão”, revelando objetivos sórdidos, escondidos por trás da suposta objetividade jornalística. Para não ficar atrás, ao tratar do mesmo tema, o Estadão deu destaque ao pensamento de fervorosos defensores do celibato como principal método anticoncepcional, deixando a informação inconclusa. Segundo estes últimos, a socióloga sanitarista – com passagem como docente pela antiga Escola Paulista de Medicina (EPM), hoje chamada de Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) – não passa de uma mulher “mal amada” e “irresponsável”. Adjetivos que demonstram, além da falta de argumentos capazes de justificar a manutenção da atual legislação, o nível do debate que estão dispostos a fazer.

Cegueira oportuna

Não houvesse distorções na exposição das ideias contrárias à posição sustentada pelos jornais paulistas, seria possível diferenciar a defesa sobre a descriminalização da prática abortiva e o incentivo ao aborto como método contraceptivo. Argumentar que a legalização ocasionaria uma “carnificina” ou prejudicaria “programas de prevenção à gravidez indesejada”, como fez o então candidato à Presidência da República José Serra em 2010, é desconsiderar a possibilidade dessa medida emergencial ser capaz de reduzir o número de mortes ocasionadas pelo aborto clandestino. Não fosse assim, tal prática não ocuparia o quarto lugar no ranking dos principais motivos de morte materna, no Brasil. Sendo, além disso, a quinta causa de internação pelo SUS – conforme o próprio Estadão publicou, sem tanto destaque.

Embora o artigo 128 do Código Penal brasileiro assegure o direito ao aborto em pelo menos duas situações – quando não existe outro meio de salvar a vida da gestante ou caso a gravidez seja resultado de estupro – ainda são penalizadas as práticas previstas no artigo 124, seja pelo autoaborto ou pelo aborto consentido. No entanto, mais do que uma questão judicial, trata-se, conforme a ministra Eleonora tem procurado explicar, de um grave problema de saúde pública, o qual, se for reduzido apenas a questões de ordem moral, religiosa ou jurídica, certamente continuará contribuindo para mais mortes do que a cegueira oportuna da mídia oposicionista permite enxergar.

Originalmente publicado em: Observatório da Imprensa

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Restabelecer a exigência do diploma é a saída

O fim da exigência de diploma para o exercício da profissão de jornalista, conformado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em junho de 2009, atende aos interesses de uma minoria, contribuindo para a flexibilização das relações de trabalho e, em decorrência, o aumento do desemprego. Recentemente, o jornal Folha de S.Paulo demitiu dezenas de profissionais, sob o pífio argumento de que precisaria enxugar seu quadro funcional. Segundo o Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo, a alegação é injustificada, pois o faturamento daquela empresa só tem aumentado nos últimos anos.

Estas práticas contribuem para a fragilização da categoria, propiciando aos empresários da comunicação realizarem acordos trabalhistas cujo interesse é assegurar lucros crescentes. O piso salarial do jornalista, no estado de São Paulo, corresponde a R$ 1.940,00 reais, por cinco horas diárias de trabalho. Se tal valor é baixo, a incorporação de freelancers e a utilização de estagiários implicam uma economia ainda mais significativa nos gastos com mão de obra qualificada. Obviamente, isto não atende aos interesses da população, pois é reforçada a massificação desta atividade, cada vez mais menosprezada pelos donos da mídia.

Mudança de foco

O discurso hegemônico procura introjetar no senso comum a ideia de que, como todos são livres perante a lei, não pode haver restrições quanto à produção de conteúdos. Segundo esta perspectiva, qualquer tentativa de cercear este direito seria uma afronta à liberdade de expressão e de imprensa, o que evidencia apenas o que há de superficial neste debate. Os jornalistas profissionais não são contrários à livre produção de conteúdos, sobretudo considerando a crescente popularização da internet e a pluralidade de blogs e plataformas de distribuição de vídeo, que, em alguma medida, contribuem para democratizar a comunicação.

Acontece que muitas produções pretensamente alternativas apenas reproduzem a lógica da indústria cultural, sem romper com seu discurso e reafirmando seu padrão tecnoestético. Já a luta pelo retorno da exigência do diploma pode contribuir para assegurar o contrário, legitimando um grande número de profissionais que participa de projetos comunitários e emprega sua força de trabalho na produção de conteúdos verdadeiramente alternativos e na formação de repórteres populares. Isso busca subverter a pseudoverdade absoluta vendida pela grande mídia e apresenta um olhar diferenciado dos fatos.

Formação em série

É importante salientar que a formação superior precisa ser apurada, inclusive em comunicação. Dados do Indicador de Alfabetismo Funcional (INAF) indicam que, em 2009, 15% dos jovens brasileiros não tinham habilidades de leitura e escrita coadunadas com as exigências de suas respectivas escolaridades. Por isso, a necessidade de formação acadêmica, considerando seus problemas e perspectivas, abrangendo a discussão dos princípios do Jornalismo, que, se conduzida por profissionais sérios e comprometidos com os desafios da comunicação, pode incentivar o desenvolvimento da criatividade e da prática investigativa.

Nesse sentido, é preocupante perceber que a proposta dos empresários, permitida pelo STF, está embasada na possibilidade de formação fornecida pela empresa. Os próprios “manuais de redação” representam meras cartilhas de uniformização e regramento, as quais precisam ser seguidas pelo “jornalista”, ao produzir uma matéria. Não obstante, ser jornalista é mais do que isto. Assim, quando os empresários da comunicação colocam-se frontalmente contra a exigência do diploma estão contribuindo para a manutenção do discurso único, mesmo ao tergiversarem e insinuarem que estão agindo em nome do interesse público.

As Propostas de Emenda à Constituição (PECs) que restauram a exigência de diploma de jornalista, em tramitação na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, constituem-se em movimentos de suma importância para o país. Várias cidades jáaprovaram projetos de lei que obrigam os órgãos públicos a contratar somente jornalistas com graduação na área para o exercício da profissão. Embora ainda seja pouco, estes movimentos sinalizam que a discussão pode acirrar-se. A batalha está só começando e, tal qual tem ocorrido com o debate sobre a criação de um novo marco regulatório para a mídia, está longe de se esgotar.

Originalmente publicado em: Observatório da Imprensa

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Sem controle sobre a privacidade

A cada mês, o brasileiro costuma ficar, em média, 69 horas diante da tela do computador, o que equivale a mais de duas horas por dia. Na maior parte do tempo, este uso é dedicado a serviços do Google, como Gmail e YouTube, ou ainda, aos sites de relacionamento, em especial o Facebook. Aliás, recentemente, a rede social de Mark Zuckerberg ultrapassou o Orkut em número de usuários registrados. Em agosto de 2011, enquanto o site de relacionamentos do Google apresentava 29 milhões de perfis cadastrados, o mega empreendimento do ex-estudante de Harvard já contava com 30,9 milhões. De acordo com o analista de redes sociais Nick Burcher, atualmente o Brasil ocupa a quarta posição no ranking de usuários do Facebook em todo o mundo, com mais de 35 milhões de perfis ativos.

Temendo este avanço, a partir do dia 1° de março – caso a União Européia (UE) não barre as mudanças previstas – o Google adotará uma nova política de privacidade, que o possibilitará entrar de vez na briga com o Facebook pela oferta de publicidade segmentada. Mas, por trás da unificação dos termos de 60 serviços da empresa, está a discussão sobre a perda acelerada e constante de privacidade na rede. Com os dados de cada um dos usuários atuando de forma integrada, os sites conseguem cruzar informações pessoais com muita agilidade. Podendo utilizá-los para fins comerciais e, até mesmo, políticos. Através do banco de dados é possível, por exemplo, identificar e carregar junto à página de serviços uma série de anúncios contendo propaganda dirigida a usuários específicos.

O perfil do usuário desde o seu nascimento
Em maio de 2011, Julian Assange, criador do site Wikileaks, acusou o Facebook de ser uma “terrível máquina de espionagem” a serviço do Estado norte-americano. Além de recomendar produtos, sugere “amigos” e opções para “curtir” de maneira muito perspicaz, revelando saber o perfil exato do usuário cadastrado. A rede social, que, inclusive, foi tema do filme The Social Network, arrecadando US$ 46 milhões de dólares durante as primeiras semanas de exibição nos cinemas dos Estados Unidos, conhece os eventos para os quais cada um é convidado, suas preferências políticas, quem são seus melhores amigos e principais interesses.

Em breve, o site de relacionamentos mais famoso do mundo investirá em um novo formato, chamado de “linha do tempo”. Este recurso permite ao site traçar o perfil do usuário desde o seu nascimento. Mesmo que a mudança tenha sofrido uma rejeição de mais de 90%, segundo estudo realizado pela companhia de segurança Sophos, deverá ser imposta já nas próximas semanas. Até porque, não há motivos para Zuckerberg se preocupar com uma possível perda de seguidores. No mundo dos negócios, a rede social vai muito bem. As ações do Facebook estão cotadas, na Bolsa de Valores dos Estados Unidos, ao custo de US$ 5 bilhões. De acordo com agências de notícias internacionais, trata-se de um recorde no investimento feito por uma empresa de internet, podendo este valor ainda dobrar.

Estratégias de resistência
Diante desse quadro, é de se pensar o quanto o uso das redes sociais tem, de fato, contribuído para a democratização da comunicação e a liberdade de expressão. Existe uma euforia muito grande em torno do potencial supostamente revolucionário dos chamados sites de relacionamento. Para alguns, é o resultado de uma espécie de globalização contra-hegemônica, a qual, supostamente, faz uso dos serviços criados pelas corporações capitalistas com o objetivo de corroer o próprio sistema que os engendrou. É o acesso ao intangível, sem esforço ou perigo aparente de constrangimento. Em pouco mais de dois cliques é possível aderir ao abaixo-assinado em favor das ocupações de terra do MST e, contraditoriamente, tornar-se um latifundiário virtual no FarmVille; aceitando ao convite de um “amigo” sem jamais jogar o game.

É preciso refletir sobre quem realmente (e, também, virtualmente) está no comando. Não seria do interesse das corporações privadas e do governo estadunidense criar um sentimento coletivo de ativismo digital, quando, na verdade, não fazem mais do que conhecer melhor seu potencial consumidor ou inimigo político? Enquanto os usuários se deixam guiar pelos hiperlinks, sem maiores preocupações, os gigantes da internet estão disputando para saber quem irá manipular o próximo clique, a próxima escolha. Estão fiscalizando o próximo passo. Conhecem, em detalhes, as estratégias de resistência ao capitalismo global.

Originalmente publicado em: Observatório da Imprensa

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